Fé, compaixão e justiça
É sempre bem-vindo o convite para refletir temas que tocam na essência da espiritualidade cristã. A campanha da fraternidade de 2020 convida-nos a ver a realidade, compreendê-la e, acima de tudo, dispensar atenção e cuidado. Com o tema “Fraternidade e vida: dom e compaixão”, a campanha ressalta a vida de Santa Dulce, o bom anjo da Bahia, cuja biografia deixa transparecer a doçura e a piedade, a fraternidade e a face bondosa de Deus.
Ainda que o destaque da campanha incida no espírito da benevolência e da misericórdia, é imprescindível que sejamos movidos, além da realização de práticas de caridade no varejo, a compreender a base geradora das injustiças que marginalizam e oprimem parcela significativa da população.
Santo Agostinho insistia em afirmar que a fé é o princípio do conhecimento. Sua conhecida máxima “crer para compreender e compreender para crer mais”, deixa manifesta a importância da inteligência da fé, a compreensão dos preceitos do evangelho e, mais do que isso, o compromisso de que a fé esteja encarnada em uma sociabilidade justa e fraterna.
Ao olhar a realidade e constatar a miséria que assola inúmeras famílias, a desigualdade econômica que dizima sonhos e projetos, a concentração de riqueza que exclui e abandona, resta-nos ultimar, à luz dos ensinamentos de Jesus de Nazaré, que ainda estamos muitos distantes do cerne do cristianismo.
Alimentar os pobres com esmola é caridade. Ajudar a encontrar meios para demover a pobreza é fazer justiça. Entre a caridade e a justiça optamos pela primeira, pois é sempre mais cômodo ser filantrópico restrito a obrigações imprecisas da consciência. Difícil, no entanto, é compreender as cláusulas que geram injustiça no atacado e encontrar formas de combatê-la.
Os paradigmas que sustentaram explicações teóricas acerca das matizes sociais parecem não oferecer, na atual quadra da história, elucidações satisfatórias para combater a miséria do mundo. Somos, ao que parece, órfãos de utopia. As apostas emancipatórias do passado desaguaram, boa medida, em ceticismo.
Porém, permanece no horizonte a necessidade de superar o egoísmo social que torna os indivíduos submetidos a um regime de concorrência em todos os níveis da vida, que insiste na negação da solidariedade, que enfraquece nossa capacidade de agir contra as injustiças.
A campanha da fraternidade não deixa de ser, nesse aspecto, um bálsamo ao recobrar nossa corresponsabilidade com os valores do evangelho e, sobretudo, o nosso senso de justiça que parece adormecido com a frieza de um mundo cada dia mais monetizado e indiferente.
Clodomiro José Bannwart Júnior é professor de Ética e Filosofia Política na Universidade Estadual de Londrina.
(Artigo publicado no Jornal Ecos de Sant'Ana, março de 2020)