Ética e Fakenews
A ética compreende o conjunto de valores, costumes e tradições que formatam a identidade de indivíduos e coletividades. Somos, nesse sentido, seres éticos. Edificamos nossa personalidade a partir de valores e costumes partilhados comumente em uma determinada tradição.
Cada indivíduo é fruto de valores incorporados em sua biografia ao longo da vida. A ética molda a maneira de ser e o modo como se enxerga o mundo. É pelo filtro de valores alojados em nossa identidade que nos posicionamos e doamos sentido a realidade.
A questão, no entanto, é que os preceitos éticos são relativos. Os padrões valorativos que regem a sociabilidade no quintal da nossa casa e cultura (ethos) são diferentes e divergentes em outros ambientes. Diante do pluralismo de formas de vida individuais e da variabilidade de interpretações a respeito das formas de vida culturais, incluindo o amplo leque hermenêutico de discursos religiosos, salta aos olhos uma questão essencial: como é possível a manutenção de uma sociedade boa, justa e estável de cidadãos que estão divididos entre si por interesses e valores díspares?
Com base na ideia de pluralismo fundamenta-se a bandeira do liberalismo, ao sopesar que não existe um único modo de ser, mas diferentes maneiras de autorrealização. Essa premissa é fundamental para a formação de cidadãos capazes de perceber a pluralidade social, conscientes de que o poder político somente é legítimo sob o amparo do constitucionalismo democrático, fundamentado na soberania popular, no império da lei e no respeito aos direitos e garantias individuais.
A cidadania exige pessoas capazes de ofertar ao debate público argumentos e justificações racionais para acordos políticos e que saibam proclamar a gramática do respeito, da tolerância e da justiça.
As fakenews, ao contrário, são discursos vazios e sem compromisso com a verdade, que enaltecem teorias conspiratórias a ameaçar crenças, convicções e preferências valorativas arraigadas na identidade das pessoas. Concentram-se em suscitar polêmicas a partir de premissas falsas, radicalizando e deteriorando as relações sociais, sempre com o intuito de mostrar que os valores éticos defendidos por indivíduos e grupos estão ameaçados por terceiros, como se fossem inimigos a serem combatidos.
Como força de persuasão, as fakenews se valem contraditoriamente dos valores éticos que as pessoas desejam a todo custo preservar. O anseio de proteger a autoestima bloqueia qualquer racionalização da incoerência. Na medida que endossam e ameaçam simultaneamente os valores que pessoas e grupos confiam, as fakenews só aumentam o clamor por posturas agressivas e totalitárias.
Clodomiro José Bannwart Júnior é professor de Ética e Filosofia Política na Universidade Estadual de Londrina.