Eleição: realismo com esperança
As eleições sempre recordam que estamos na encruzilhada do futuro. A cada nova eleição encontramo-nos diante de uma janela que se abre e permite avistar horizontes e possibilidades. É um momento que, indistintamente, somos convidados a decidir o futuro e assumir responsabilidade com o novo. Millôr Fernandes, porém, dizia que “o Brasil tem um enorme passado pela frente”. Esse passado matreiro, disposto a reescrever velhos roteiros, talvez justifique o ceticismo generalizado com as práticas de uma política igualmente envelhecida.
Quando o futuro parece estéril, vazio de utopias e de esperanças, a política entra em desertificação. Torna-se árida e perde a capacidade de delinear caminhos, apresentar diagnósticos concretos e apontar prognósticos factíveis. No deserto da política restam os discursos de bufões e de populistas paridos nas engrenagens da pobreza material e do déficit educacional. São estes que enxovalham o debate público com perorações vazias, esmiuçadas de escárnio e de má-fé. Nesse deserto há miragens de fakenews e de teorias conspiratórias que confundem a realidade. É por isso que a democracia, além de contar votos, exige também argumentos capazes de justificar escolhas e decisões. Fora disso, reina o arbítrio de eleitores e de políticos.
É preciso que a qualificação do debate público permeie tanto o eleitorado quanto os candidatos e seus partidos. Muitos eleitores passaram os quatro últimos anos sem gastar nenhum tempo com as questões públicas, sem ao menos tomar conhecimento das decisões que os agentes políticos adotaram e como elas afetaram, positiva ou negativamente, suas vidas. Muitos narram orgulhosos não se interessar por política, mas gostam de pronunciar que na política está tudo errado, que político algum presta, que são todos iguais. Tais posições apenas certificam a falta do exercício da cidadania e da compressão do desenho institucional que moldura a sociedade e a democracia. Tais eleitores são presas fáceis do discurso “antipolítica” promovido por aproveitadores que estão mais interessados na destruição do ecossistema político do que na sua reforma.
Há ainda os idealistas movidos pela crença de que a política transformará a sociedade num paraíso, sobretudo se o seu candidato sagrar-se vitorioso. São presas do discurso fácil, muito comum entre os candidatos que desprezam a complexidade da administração e da legislação para endossar ao eleitor, de forma simplista, que o que falta mesmo é “vontade política”. Fazem da política uma chá das cinco.
Nesse emaranhado de pontas soltas, cabe encontrar o equilíbrio conduzido por um realismo esperançoso, como dizia Ariano Suassuna. É importante escolher candidatos que tenham capacidade de diálogo, que ajam com transparência, que expliquem e justifiquem seus argumentos, que tenham disposição de submeter-se ao contraditório, que acatem decisões de órgãos superiores, que respeitem as decisões do eleitorado, que, enfim, sejam capazes de dar continuidade aos discursos iniciados de maneira informal no espaço público, aprimorando-os dentro dos canais formais de debate e de deliberação, onde, de fato, irão representar a sociedade.
Como lembrado pelo sociólogo alemão Max Weber, qualquer parecer sobre o futuro não nos cabe, até porque essa “cátedra não existe nem para demagogos nem para os profetas”. É preferível ficarmos com as palavras de José Saramago: “Os bons e os maus resultados dos nossos ditos e obras vão se distribuindo por todos os dias do futuro, incluindo aqueles, infindáveis, em que já cá não estaremos para poder comprová-los, para congratular-nos ou pedir perdão”.
Que tenhamos, no mínimo, prudência em nossas escolhas individuais, pois nelas estão os gérmens da imprevisibilidade que o futuro, a seu modo, partilhará em benefício ou malefício da sociedade. Boa eleição a todos!
Clodomiro José Bannwart Júnior é professor de Ética e Filosofia Política na Universidade Estadual de Londrina.
Artigo publicado na Folha de Londrina, na edição de 14 de novembro de 2020.